sexta-feira, 15 de junho de 2012

A Globalização como pano de fundo para a realização do trabalho escravo


Por Raquel Braga, Grace Assis, Vinicius Fernandes, Renato Rubano e Fernanda Delavy.


 Os mecanismos da Globalização (incluindo o alto poderio da tecnologia) poderiam (e deveriam) serem utilizados para a sociabilização dos Recursos Naturais, no combate à fome e a miséria, a cura de doenças (que inclusive retornam ao status quo), e introduzir toda a sociedade em um mesmo patamar. No entanto, o que vemos, é a utilização dessas mesmas formas tecnológicas para garantir as soberanias nacionais, explorar o homem cada vez mais e distanciar as classes sociais.

        O Capitalismo, através da Globalização, com total aval de um Estado omisso e financiador das Grandes Empresas e Indústrias, atravessa os portais fronteiriços da imparcialidade estatal e faz com seus habitantes o que bem entende para manter a seu objetivo único de acumulação do Capital. Não importa a forma desde que mantenha a égide do lucro exclusivamente.

        Nos deparamos, através dos noticiários e das fontes midiáticas de informação (também contribuintes para o fortalecimento do Capitalismo com suas propagandas de fetichistas de consumo e fabularização da Globalização), com os acontecimentos últimos de escravização, no Brasil, da mão-de-obra humana, em áreas rurais e também urbanas.
        O que hoje assistimos no Brasil com relação ao investimento de mão-de-obra ilegal e escrava do povo boliviano é resultado do escravismo praticado pelos grandes detentores dos meios de produção na própria Bolívia. É a própria teoria do caos. O que acontece na Bolívia tem reflexos imediatos ao que está acontecendo no Brasil. 

        Em busca de novas e melhores formas de trabalho no Brasil, essas pessoas se submetem a qualquer tipo de atividade, longas jornadas de trabalho, baixos salários, condições sub-humanas de sobrevivência, levados principalmente pela escravidão vivida em seu país de origem e pela vulnerabilidade encontradas no país para onde migraram.

        Reconhecemos os trabalhos desenvolvidos pelo Ministério de Trabalho de Emprego, através de seus fiscais de trabalho em conjunto com a OIT – Organização internacional do Trabalho. No entanto, não se faz suficientemente eficaz, considerando a escravidão enquanto debilidade de um Sistema Mundial, denominado por Milton Santos enquanto Globalitarismo ou Globalização Perversa.

        Interessante então, partirmos do princípio, entender as atuais relações de trabalho, o posicionamento da OIT e quais medidas estão sendo tomadas pelo país e pelo mundo para, de fato, aniquilarem o trabalho escravo e emanciparem efetivamente o homem e a sua liberdade. 
       
         

Na Bolívia...

“Morreram rápido, sentadinhos, como eu estou agora. (...) entra pela boca e corrói tudo lá dentro” – Pablo, trabalhador mineiro, há 30 anos, falando sobre a eclosão de gases dentro da montanha.

 “Em que posso trabalhar (no Brasil)?” – Amália, vigia da montanha.

 “Quero ser advogado” – Kevin, carregador de pedras, 11 anos.

 “Não pode me levar ao seu país?” – Alex, 8 anos.


Em reportagem realizada pela Rede Record de Televisão, mostrou-se a dura realidade vivida por uma parcela da população boliviana. Em Potosi, Bolívia, com uma população de 160.000 habitantes vivendo às margens da miséria e desemprego, nada mais lhes resta, enquanto forma de subsistência além da exploração da “Montanha Devoradora de Homens”. A montanha Cerro Rico, localizada nesta cidade ao Sul da Bolívia, é explorada há 450 anos. Mais de 8 milhões de pessoas já foram mortas em seus labirintos, na busca de minerais, em especial a prata. Quinze mil mineiros trabalham nela, sem equipamentos apropriados de segurança, sem alimentação, nem água, num trabalho latente de, aproximadamente, 9 horas por dia, por um valor de aproximadamente R$ 400,00 mensais.

A montanha em seu interior conta com uma temperatura de 40º, restando aos trabalhadores a constante mastigação de folha de coca e a companhia de álcool 96º, para suportar a dor, o cansaço e o estardalhaço realizado contra a dignidade da pessoa humana. A mesma já não proporciona aos seus exploradores a riqueza dantes nela abarcada. Hoje em dia o minério mais encontrado nela é o Zinco e o Estanho. Algumas vezes, por sorte, os trabalhadores encontram alguns resquícios de prata.

O fim da vida desses trabalhadores é sempre trágico. Quando não por acidente, por conta de algum desmoronamento, ou então, da explosão de gases tóxicos, eles desenvolvem uma doença chamada Silicose. A Silicose é uma forma de pneumoconiose (doenças pulmonares causadas pelo acúmulo de poeira nos pulmões, com consequente reação tissular à presença destas) que leva à formação permanente de tecido cicatricial no parênquima pulmonar, resultante da inalação de pó de sílica (quartzo). Assim sendo a silicose é uma afecção profissional. Bastam 5 anos de exposição e a doença começa a se desenvolver. O hospital da cidade de Potosi recebe em média o número de 80 pacientes por mês. A doença é irreversível. E as famílias vivem um luto antecipado. Valter, 28 anos, um dos mineiros entrevistados, aguarda em casa o momento de sua morte, pois não tem direito à assistência médica por não ter como pagar a cooperativa. A perspectiva de vida dos mineiros é de no máximo 50 anos.

O trabalho relacionado às minas não atingem somente os homens da família, mas, também, mulheres e crianças. Viúvas de mineiros trabalham fora dela, quebrando as pedras que são ignoradas pelos mineiros. As mulheres, na sua maioria, idosas, algumas com mais de 80 anos de idade, possuem os dedos e a curvatura corporal deformados por talhar pedras e, somente recebem se encontram algum pedaço de prata, para posteriormente, vendê-las. As crianças também são escravizadas quando não trabalham externamente, carregando minérios, trabalham dentro das próprias minas, junto à família que desconhecem qualquer outra forma de subsistência. Amália, mãe de família, trabalha como vigia da Mina, todas as noites, todos os dias da semana, por um salário de R$150,00 mensais. Em sua casa, as dinamites ficam expostas, ao alcance de seus filhos. Essas dinamites são utilizadas para espantar os eventuais ladrões que se aproximam para roubar as ferramentas utilizadas pelos mineiros durante a exploração da montanha.

“ O Risco de morte instantânea, é iminente” Adriana Araújo – Repórter

“Estamos certos de que, às vezes, não sairemos vivos. Estamos na boca da morte. É muito terrível o trabalho” – Pablo.    



Histórico da Globalização – Em busca da verdade
Desde os primórdios...
Na sociedade primitiva, homens e mulheres viviam em grupos, a propriedade de todos e todos tinham sua atividade existencial dentro de cada grupo. Os instrumentos de trabalho ficavam a disposição de todos – minha enxada, sua enxada. Não havia propriedade privada e nem mesmo trabalho individual, muito menos salário. Eis o começo.
Com o passar dos tempos, os homens descobriram certas habilidades individuais dentro de seus grupos. Desta forma foi possível distinguir as atividades conforme as habilidades.
No princípio a caça, a pesca e o deslocamento.  Depois a agricultura. A agricultura foi uma das maiores descobertas do homem, (hoje plantamos mais que caçamos). Com a agricultura, as famílias poligâmicas, com os filhos de direito materno, foram fixando-se. Em locais próximos aos rios, principalmente.
Agora, o homem tornou-se homem. Caçou, pescou, plantou, colheu e domesticou animais. A vida em sociedade poderia ser perfeita, moradia, alimentação cultivo de plantas e de animais e uma grande família.
Porém, com as eternas mudanças em busca de locais apropriados para sobrevivência, já não era apenas uma família, mas sim várias outras. E, entre elas, a necessidade de conquista de “novas terras” ou de manter a ordem imposta pelo grupo que já se encontrava em estado de domínio.
O que era pedra virou arma. Surge a lei do mais forte. O que antes era comum, de todos, passa a ter dono. Surge então o Instituto da Propriedade Privada. E o mais forte determinou, que essas terras, essa propriedade, esse poder de escravizar, deveria estar em poucas mãos. Fim da família poligâmica, da vida em grupos e do comunismo primitivo. Surge mais um instituto: A família monogâmica, possibilitando que a propriedade e tudo aquilo que ela acarreta, se mantenha em poucas mãos. O homem individualizou-se. Tornou-se proprietário de terras, casou-se e teve filhos. Com a família monogâmica, destituiu o direito materno familiar, surge o direito paterno. A mulher que antes, além de ser mãe, participava das decisões dos grupos, passa agora a administrar o “lar”, enquanto que o homem, esse sim, era o caçador, o apropriador, o cultivador, ou seja, trouxe o alimento e tornou-se o chefe da casa. E, após a individualização das atividades e cada qual no seu quadrado, já não era mais possível carregar a vaca nas costas em troca de um saco de milho.
       Surge a moeda de troca, e, para manter a ordem dessas novas relações sociais, o Estado.
De lá para cá, passamos por algumas transformações. Por influência dos Deuses, situamos a Terra enquanto centro do universo e o céu como limite. Depois, Deus vem a ser o centro de tudo. Posteriormente constatamos que o Sol é o verdadeiro centro, mas não do Universo e sim de uma Galáxia, comprovando também, que o Universo, não é tão limitado assim...
A história, nada linear, demonstra suas transformações, dada as transformações nas relações de trabalho: Senhor e Escravo, Senhor Feudal e Servo, Empregado e Empregador. A relação escravista é substituída pela relação feudalista que, por sua vez, é substituída pelo trabalho livre que surge com a Revolução Industrial criando a relação empregado – empregador, que, aos poucos, é substituída pela relação empresa-colaborador. 
Com a Revolução Industrial, o avanço tecnológico e as novas formas de produção, modificam-se as relações de trabalho. Insurge o chamado Sistema Fordista, onde, diferente de antes, cada trabalhador produzia um produto do começo até o fim, dividem-se as funções.  Neste contexto, o trabalhador perde seu conhecimento geral sobre determinado produto e passa a sintetizar o seu conhecimento à produção de apenas uma peça ou função.
Com o aumento da tecnologia, passa a ser possível, por aqueles que possuem acesso à mesma, a medida do tempo para fabricação de cada produto, agregado a implantação de maquinários capazes de acelerar a produção com menores custos aos Proprietários das Indústrias. Aparece uma nova figura denominada método Taylorista de produção. O local de trabalho deixa de ser determinante na produção de determinados produtos. Uma montadora de automóveis, p.e., pode ter sua matriz ao Norte da Europa ainda que uma válvula seja produzida ao Sul, originando, assim, o modelo toyotista.

Até hoje em dia...
Relevantes acontecimentos mundiais, como exemplo, o consenso de Washington e a queda do Muro de Berlim, ambos ocorridos em Novembro de 1989 (coincidência?), atrelados, evidentemente, a explosão tecnológica do Século XX, torna o mundo Capitalista. Enfim, a liberdade. Liberdade para comprar e vender. Não há mais os dois grandes blocos antagônicos que indispunha essa relação, e, com a tecnologia a disposição do mercado, principalmente com a acessibilidade e popularização da Internet, a empresa responsável pela fabricação de um determinado produto, p.e., agora pode ter sua Matriz no Japão, tendo peças, suprimentos e insumos, ou seja, os meios para sua finalização, produzidos em qualquer país da América do Sul.

“Novos processos de trabalho emergem, onde o cronometro e a produção em série e de massa são "substituídos" pela flexibilização da produção, pela "especialização flexível", por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado... Ensaiam-se modalidades de desconcentração industrial, buscam-se novos padrões de gestão da força de trabalho, dos quais os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), a "gestão participativa", a busca da "qualidade total", são expressões visíveis não só no mundo japonês, mas em vários países de capitalismo avançado e do Terceiro Mundo industrializado. O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista dominante, em várias partes do capitalismo globalizado”. (PISTORI, Gerson Lacerda apud Ricardo Antunes in Sociologia Geral e Do direito, pg.226)


Falamos agora de Globalização.

“A descoberta de que a terra se tornou mundo, de que o globo não é mais apenas uma figura astronômica e sim, o território no qual todos encontram-se relacionados e atrelados, diferenciados e antagônicos – essa descoberta surpreende, encanta e atemoriza. Trata-se numa ruptura drástica nos modos de ser, sentir, agir, pensar e fabular. Um evento heurístico de amplas proporções, abalando não só as convicções, mas também, as visões do mundo” – (VEDOVATO, Luís Renato apud Otavio Ianni, in Sociologia Geral e do Direito, pg. 240)

Inclui-se nesse novo sistema de produção, “subsistemas” de produção, tais quais: kanban, flexibilização, terceirização, subcontratação, CCQ, controle de qualidade total, eliminação do desperdício, gerência participativa, trazendo, pela finalidade de obtenção total de lucros, empresas do denominado mercado informal, enquanto meio para os fins.

“(...) globalização da economia significa que as fronteiras entre países perdem importância, quando se trata de decisões sobre investimentos, produção, oferta, procura e financiamentos”. (in iden apud Helmut Hesse, pg. 241)

“globalização refere-se a processos atuantes em processo global, que ultrapassam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço de tempo, tornando o mundo mais interconectado” (in iden apud Luiz Gonzaga Silva Adolfo, pg. 241)


Gustavo Lins Ribeiro intensifica que a partir desse novo Sistema Mundial, as empresas retiram o trabalhador da visão marginal e os insere em uma nova estruturação do mercado informal, ao que ele denomina Globalização Popular, constituindo assim o Sistema Mundial não hegemônico.
O Sistema Mundial não hegemônico é classificado por Ribeiro da seguinte forma:

(...) uma composição de várias unidades localizadas em distintos lugares, conectadas por agentes ativos na globalização popular. A globalização popular é formada por redes que operam de maneira articulada e que em geral se encontram em distintos mercados que formam os nós do sistema mundial não hegemônico. Esta articulação cria interconexões que dão um caráter sistêmico a este tipo de globalização e faz com que suas redes tenham alcance a longa distância. O sistema-mundial não hegemônico conecta distintas unidades no mundo através de fluxos de informação, pessoas, mercadorias e capital.


Essa descentralização na produção traz algumas consequências, principalmente no que tange a classe trabalhadora, entre elas:
1.    O trabalhador perde seus tradicionais vínculos empregatícios, deixando de ser um funcionário e tornando-se um colaborador, o que afeta diretamente na organização sindical e do trabalhador enquanto classe;
2.    As empresas, visando lucro total, instalam suas filiais em países menos desenvolvidos, onde a atuação do Estado é quase inerte e, assim sendo, os direitos trabalhistas quase que inexistem, permitindo aos empregadores (empresas), plena exploração da mão de obra (física e intelectual) e de suas matérias primas;
3.    Na complexidade do novo processo global de acumulação, confundirá trabalho lícito com ilícito, legal com ilegal, ora por uma empresa, que esteja na base da pirâmide, atuando de forma ilegal (sem cadastro, p.e.) num determinado país ou região, ora pela forma com que é explorada a mão de obra do trabalhador, quiçá, com advento do próprio Estado, em negligenciar a forma com que essa mão de obra é explorada.

As empresas, em busca, como já citado, da acumulação total do capital através da exploração sem limites do trabalho da pessoa, não medem esforços para que haja a concretização de seu objetivo de lucro total. Não há limites para as grandes multinacionais, pois, somente estas, conseguem se manter no Sistema da “livre concorrência”, onde permanece invicto aquele que detém a maior tecnologia e que construiu, fundamentalmente, seu Capital Intelectual. Prova disto são as fusões que presenciamos cotidianamente e a falta de espaço e altas taxas tributárias impostas às pequenas empresas.

Porém, para a ocorrência de tais fenômenos, faz-se necessário o gerenciamento do Estado, através de suas políticas reformistas e nada solucionadoras da atual conjuntura social, tendo como pautas os índices homéricos de desemprego, denominados por Marx Exército de Reserva – garantindo o conformismo e condicionamento da classe trabalhadora, a má distribuição de renda, o não investimento em educação, mas, principalmente, a manutenção da Globalização enquanto Fábula: A mídia repercutindo a ideologia imposta pela classe dominante, através de entretenimentos, tais quais, novelas e noticiários sensacionalistas, em que nada contribui para o desenvolvimento intelectual do ser humano, além do convite aberto ao consumo desenfreado, conforme Santos (pg. 49):

“O consumo é o grande emoliente produtor ou encorajador de imobilismos. Ele é também, um veículo de narcisismos, por meio de seus estímulos estéticos, morais, sociais; e aparece como o grande fundamentalismo do nosso tempo, porque alcança e envolve toda gente. Por isso, o entendimento do que é mundo passa pelo consumo e pela competitividade, ambos fundados do sistema da ideologia”.


Mas, e daí?

A partir desse levantamento, de apenas uma pequena parcela da população boliviana, passamos a compreender porque surge como opção o trabalho escravo da mão-de-obra no Brasil. Sujeitam-se, principalmente, pelas questões de ilegalidade e pouco ou nenhum conhecimento da língua portuguesa, assim como a vulnerabilidade em sua situação sócio-econômica, fatores que contribuem negativamente para a efetivação desse quadro de exploração de jornada de trabalho e salários não condizentes a atividade realizada, determinando o surgimento do, assim denominado, senzala boliviana.
  
Muitas vezes, em entrevistas, até mesmo em conversas realizadas com bolivianos residentes ilegalmente no Brasil, vemos o entender dos mesmos sobre essa forma de relação de trabalho enquanto algo bom, pois as experiências vividas em seu país de origem são determinantes para seu condicionamento e aceitação. Deixam de ser escravizados em seu país de origem, para serem escravizados no Brasil. Entrada irregular no país, ilegalidade na estadia, retirada imperceptíveis dos direitos trabalhistas, recusa na aprovação de leis determinantes (tal qual a PEC 238/01), falta de entendimento do alcance das normas trabalhistas de nível internacional, além do supracitado, são deficiências do Estado e, de um Estado que trabalha em comunhão com todos os outros, num sistema Global Capitalista, para que essa prática continue se desenvolvendo e, com um único objetivo: a obtenção total de lucros e acumulação do capital.
O homem deixou de ser o Centro do Universo. O dinheiro e as estatísticas norteadoras das relações internacionais é que são determinantes aos novos meios legais e ilegais de exploração e escravização da mão-de-obra, vale dizer, humana.


Brasil e OIT – medidas? Imediatas?

Conforme vem sendo exposto, metaforicamente à vacinação no uso medicinal, embora a Lei Áurea tivesse tido eficácia à sua época, ela não aboliu, de fato, a escravidão. Reduziu consideravelmente o problema que, a partir daí, o tempo e a globalização, fizeram com que as curvas do gráfico tornassem a subir com uma forma alternativa de trabalho escravo. Hodiernamente, necessita-se da segunda dose desta mesma vacina, uma nova Lei Áurea, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 438 de 2001.

Seu principal objetivo, em um primeiro momento, era a expropriação das terras onde houver trabalho escravo, sem direito a qualquer indenização. Para isso, pretendia alterar o artigo 243 da Constituição da República, que já estabelece o confisco de terras em que forem encontradas culturas de plantas usadas para produzir drogas, como maconha, haxixe e cocaína.

Apresentada pelo então senador Ademir Andrade (PSB-PA) em 1999, a proposta foi aprovada definitivamente pelo Senado e em primeiro turno pela Câmara. Os deputados anexaram o texto do Senado a outras propostas, como a PEC 232/95, do ex-deputado Paulo Rocha (PT-PA), alterando o original.

      A aprovação na Câmara, em agosto de 2004, só foi possível depois de amplas negociações com a bancada ruralista. Para viabilizar um acordo, o relator, o então deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS), acolheu uma emenda da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), na época deputada federal. A proposta, apoiada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), permite o confisco também de imóveis urbanos como punição para o trabalho escravo nas cidades.

Mais tarde, portanto, foi acrescentado à PEC que “serão também expropriados, sem qualquer indenização, os imóveis urbanos, assim como todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência da exploração do trabalho escravo”. Com a mudança, também passariam a ser passíveis de expropriação casas e apartamentos urbanos onde houver cultura ilegal de plantas psicotrópicas ou exploração do trabalho escravo.

Os bens confiscados pela referida PEC, quando convertidos em recursos, serão destinados a um fundo especial a ser regulamentado em lei própria. Antes de ganhar essa redação, outras propostas sugeriam a aplicação dos recursos em programas de habitação popular, assentamentos para reforma agrária, recuperação de dependentes químicos, fiscalização do cultivo de plantas psicotrópicas e do trabalho escravo ou, ainda, para melhorar as condições de moradia dos trabalhadores libertados.

Embora aprovada pelo Senado e pela Câmara em primeiro turno, a PEC 438/01 espera a votação final (segundo turno) pelos deputados desde 2004.

Mas qual a razão para tanta demora? Em primeiro lugar, uma PEC precisa de grande número de votos para ser aprovada (308 deputados). Basta que um grupo, mesmo que minoritário, não compareça à votação para que ela seja considerada rejeitada, ainda que tenha obtido 307 votos favoráveis e nenhum contrário. Quando isso acontece, todas as votações favoráveis, inclusive no Senado, são prejudicadas e o processo legislativo tem que começar do zero.

Para dificultar ainda mais, entre os grupos interessados em que a PEC 438 não seja transformada em Emenda Constitucional, está um dos mais poderosos e bem organizados do Congresso - a bancada ruralista, que congrega mais de 150 deputados. E seus argumentos não são poucos.

A aprovação da PEC 438 na Câmara em 2004, com 326 votos favoráveis (apenas dez contrários e oito abstenções), garantiu pouco mais que o mínimo necessário, mesmo com a votação acontecendo após o assassinato dos auditores fiscais do trabalho em Unaí, no interior mineiro. A comoção do momento fez com que a Câmara oferecesse a PEC 438 como resposta à sociedade, como costuma acontecer quando ocorrem crimes hediondos no país.

Se, por um lado, a Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo e a OIT, entre outros, consideram a PEC 438 uma “Segunda Lei Áurea”, já que oferece punição severa para quem patrocina a escravidão, os opositores da proposta temem que a expropriação de terras seja aplicada de forma arbitrária, prejudicando não apenas o proprietário, mas toda a sua família.

Há ainda quem argumente que a legislação atual já é suficiente para coibir o crime. Com tantos percalços, o capítulo final da PEC 438 aparenta demorar a ser escrito.

Em audiência pública sobre trabalho escravo que ocorreu aos 15 dias do mês passado, Andrea Bolzon - diretora da OIT no Brasil - disse que as convenções da organização são "patamar mínimo" de direitos dos trabalhadores e que a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo seria um avanço que extrapolaria as convenções 29 (sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório) e 105 (sobre a Abolição do Trabalho Forçado) - o que, para ela, é "desejável". Na Câmara dos deputados, a diretora disse ainda: “A OIT tem o olhar lançado sobre as condições de todos os países do mundo. Em um país como o Brasil, onde se tem ampla liberdade, espera-se que se evolua a partir do mínimo e se eleve o patamar a níveis mais altos de direitos. Além disso, a ratificação de uma convenção por um membro não pode ser usada como argumento para diminuir níveis de direitos mais amplos que querem ser estabelecidos no âmbito interno do Estado".

Segundo direção da OIT não há contradição entre as convenções da ONU e o Código Civil brasileiro sobre a definição de trabalho escravo, o tema deve ser tratado em um conceito amplo e que seria, portanto, um avanço que extrapolaria as convenções 29 (sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório) e 105 (sobre a Abolição do Trabalho Forçado). Sobre as tentativas dos parlamentares de alterarem o Artigo 149 do Código Civil a fim de especificar “trabalhar escravo”, a diretora defende que “as convenções estão mais próximas da legislação brasileira do que se considera. O tema também é tratado em um conceito amplo. O que vale é a ideia de direitos mínimos”.

Na votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Trabalho Escravo, os deputados tentam chegar a um acordo sobre a expropriação de terras onde for constatada exploração de trabalhadores em condições análogas à de escravidão. A bancada ruralista discorda. O deputado Nelson Marquezelli (PTB – SP) afirma que vai lutar para engavetar a PEC. “Sou contra a PEC porque a expropriação de bens urbanos ou rural já existia na Rússia e acabaram; existia em Cuba e acabaram. Tem meia dúzia de esquerdista no País que quer colocar isso o Brasil. Isso é um absurdo”, disse.

Aos 22 dias do mês de Maio do corrente ano, com 360 votos favoráveis, 29 contrários e 25 abstenções, a PEC foi aprovada em segundo turno pela Câmara dos deputados. A matéria volta ao Senado Federal, para nova rodada de votações em dois turnos.

Conclusão

         O presente trabalho demonstrou que a escravidão ainda não foi abolida no mundo atual. O trabalho escravo existe e ele é utilizado de várias maneiras, disfarçadas em vários locais do mundo.

        Percebemos que mudaram de fato as relações de trabalho desde a escravatura para os dias atuais, no entanto os detentores dos meios de produção (capitalistas), utilizam-se de todos os mecanismos possíveis para explorar o trabalho humano – seja na área urbana ou na área Rural – na busca inconstante pelo acúmulo do Capital – lucro.

         Constatamos também que, ainda que a empresa seja dotada de idoneidade, a Globalização permite que a empresa tenha sua matriz em um determinado país, as filiais em tantos outros e inúmeras outras redes cooperativas e terceirizadas trabalhando em conjunto, em tempo real para a concretização do produto final. Porém, nesse ciclo, denominado Sistema Mundial não-hegemônico, em meio à esses “nós” é possível participar empresas informais, ilegais ou ilícitas, que também contribuem com os índices de trabalho escravo. No entanto, esse sistema só se vê possibilitado pela falta de fiscalização e aceitação do próprio Estado, determinante inclusive da migração do trabalhador de seu país de origem para viver condições análogas a escravidão em outro países e com uma vulnerabilidade muito maior, seja pela ilegalidade, seja pelo desconhecimento das leis e da própria língua local.

        Demonstramos aqui a existência de órgãos como a OIT (ligada a ONU) que tem como bandeira o fim do trabalho escravo e a introdução do trabalho decente para todos os países do Globo, porém ainda lutam contra a não ratificação e não participação de alguns países e, ainda, com a má-fiscalização de países membros da OIT.  

        Tais medidas são essenciais para a emancipação do trabalhador, libertação das condições sub-humanas de trabalho e consequentemente da vida, porém, necessário se faz uma sincera – e dotada de cientificismos – avaliação dialética da Globalização, entender seus prós e contras e utilizá-la, juntamente à tecnologia, a favor da dignificação humana e não pela sua degradação.